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'Que pena, tão linda...': por que valorizar mais a vida de quem é bonito?



No almoço de família alguém relata um trágico acidente que deixou uma conhecida de alguém tetraplégica. Quase todos na mesa soltam um murmúrio misto entre tristeza e pena ao ouvirem as dificuldades que a protagonista da estória passa em seu dia a dia. Então, alguém solta: "uma pena uma coisa dessas com uma moça tão bonita!"


Quem nunca escutou ou disse algo do gênero que atire a primeira pedra (não em mim por favor!). Eu mesma me lembro de um acontecimento que me chocou profundamente que foi o rapto e assassinato pelo próprio pai de duas meninas gêmeas, filhas de uma colega de trabalho, uma mulher que eu admiro e respeito muito. O caso teve uma enorme repercussão inclusive na mídia e eu me lembro de passar vários minutos olhando para as fotos daquelas duas meninas que pareciam anjinhos de Raffaelo e pensar: "meu Deus, como são lindas! Como pôde acontecer algo tão trágico a dois anjinhos desses!"


Mas nesse dia do almoço, a hora que a frase foi dita, algo em mim se questionou imediatamente quanto à nossa mania automática de valorizar mais a vida de quem é bonito. Parece que a sociedade diz: "se você é feio e sofre um acidente, não perdeu muito afinal de contas sua vida já devia ser uma desgraceira". Parece chocante, mas no fundo a mensagem é essa. A vida do bonito vale mais que a do feioso que já vive na mediocridade mesmo.

Alguém ao ler este post poderá protestar: "ai que exagero! É apenas uma maneira de falar!" mas apenas os incautos e desatentos não sabem que, as expressões idiomáticas mais comuns são justamente as que perpetuam as tradições, em especial as misóginas, racistas e preconceituosas latu sensu. Elas expressam o que há de mais puro (no sentido bruto) e inconsciente na nossa sociedade e em nós mesmos e é exatamente por isso que são tão sinceras quanto merecedoras de reflexão!


No fundo, se olharmos para o monstro no espelho essa frase sem má intenção, esse automatismo de valorizar mais a vida do bonito explica como conseguimos ir dormir e acordar todos os dias para realizar nossas atividades mais banais enquanto horrores acontecem pelo mundo todo. Porque no nosso padrão o rico é belo e vice-versa. É limpo, é asseado, é magro e esbelto - e possivelmente branco. O resto é feio... e consequentemente desmerecedor da nossa compaixão e do nosso olhar humano. Crianças na África? Mulheres no sertão nordestino, na Somália ou na Síria merecem menos compaixão do que Lais Souza ou Fernando ex-BBB (e atenção, não estou dizendo que os bonitos também não a mereçam!).


E não é de hoje que o bonito é associado também ao bom. Alguém aí já viu mocinha de novela feia, gorda ou deformada? Amputada? Com deformação facial? E vilão?


Pode ser que eu esteja sendo muito dramática e exagerada. Pode ser que seja o efeito dos hormônios que normalmente são culpados por qualquer destempero emocional feminino, mas pode ser também que tenhamos que ter um pouco mais de atenção às nossas palavras e aos nossos pensamentos e, principalmente olhar com mais cuidado o feio, o asqueroso, o que incomoda o olhar... pois é justamente ali que está o maior sofrimento e que jaz a maior necessidade de amor e de carinho!


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