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Nem toda mulher sabe parir: meu relato de parto


Foto: Amanda Nunes


Sempre acreditei que viemos a esta terra, nesta vida, para aprendermos e evoluirmos em algum sentido. Carma, Darma, Missão, Propósito são para mim palavras diferentes para um mesmo conceito que tenho enraizado no meu ser e que faz que ao longo de toda a minha curta porém intensa existência eu sempre me esforce para ressignificar todo e qualquer acontecimento bom ou ruim que o Universo me apresente. Tudo o que vivo e vivi me faz aprender algo e me transforma em uma mulher melhor!


Foi assim que me tornei controladora! E foi também assim que desapeguei do controle para compreender que não temos controle sobre nada a não ser, justamente, sobre como iremos sair de uma experiência.


Cresci em um ambiente instável. Cresci com promessas de "amanhã iremos ao parque" para acordarmos no meio da madrugada com brigas, violência, medo e nada de parque. Cresci sem poder fazer muitos planos para o mês seguinte, pois não saberíamos se teríamos um pai por perto, morto, preso ou apenas com outra família. Enfim, cresci e aprendi que a única pessoa com a qual eu poderia realmente contar era eu mesma e que os únicos planos que de fato poderiam dar certo eram aqueles dos quais eu me encarregaria sem depender de ninguém mais.


E assim planejei e cumpri tudo o que pude, nos mínimos detalhes, da adolescência em diante. Vestibular, faculdade, namorar, noivar, casar, fazer carreira, ganhar dinheiro.


Me tornei tudo aquilo que gostaria de me tornar e me engajei de corpo e alma em cada um dos meus projetos. Fiz plano A, B, C e D. Montei a trilha sonora para cada um desses planos... e planilhas de Excel... muitas planilhas de Excel... Fiz a minha parte e sempre deu certo... Todo e qualquer desvio de rota foi calculado, planejado e implementado com o mesmo foco e esmero que a rota inicial.


Essa foi a minha defesa para sobreviver e não posso dizer que não tenha dado certo, embora tenha também me trazido alguns problemas estomacais, crises de pânico e alguns hábitos alimentares bastante questionáveis...


E assim fui vivendo com minhas planilhas e roteiros até você surgir na minha vida!


Primeiro você apareceu como um desejo discreto. "Se rolar rolou" era o mantra enquanto secretamente eu acreditava que em um passe de mágica estaria grávida com viagem marcada para Miami para fazer o enxoval.


Mas não rolou! Ao menos não assim como eu queria/imaginava. Era você me dizendo que não era bem assim... Que eu ainda precisava amadurecer, aprender mais e olhar para as minhas sombras antes de encarar essa jornada maluca que é a gestação e a maternidade.


Me tornei a louca dos testes de ovulação, exames, medir temperatura, chorar com sangue na calcinha e não conseguia entender por que você não vinha... Eu já sabia tudo sobre o parto, eu já tinha trilha sonora. Cadê você?


E assim foram dois longos anos, ou mais precisamente 25 meses de aprendizado e de muita ressignificação! Primeira lição que você me deu de que as coisas não acontecem como a gente planeja e de que a nossa esfera de controle é, de fato, bastante pequena.


Quando soube que estava grávida, a alegria foi tão grande e profunda que só queria me concentrar nessa experiência e vivê-la da forma mais intensa possível. Eu já havia aprendido a minha lição, pensava, nada de querer controlar o incontrolável. Não teve enxoval em Miami, não teve viagem de despedida, mas teve muita leitura e pesquisa, contratação de Doula com pouco mais de 6 semanas, plano de parto, meditações, cantei para você na barriga e procurei aprender tudo o que dava para aprender sobre amamentação, disciplina positiva, criação com apego, fraldas de pano, BLW e só resolvi parar quando estava quase estudando sobre a síndrome do ninho vazio.


Quanto ao parto, eu estava tranquila! Não havia o que dar errado já que eu não estava mais criando expectativas (era o que eu pensava!)... Algumas pessoas alertaram para que me preparasse psicologicamente para a possibilidade de uma cesárea, evitando assim uma possível frustração, mas eu tranquilamente dizia que não precisava de preparo: estava resolvida quanto a essa possibilidade e a aceitaria numa boa se fosse realmente necessária. Afinal de contas, eu já havia aprendido a minha lição!


Eu sabia também, muito bem, que o trabalho de parto não evolui se a mulher está muito apreensiva ou operando no plano racional, então busquei ao máximo me conectar comigo mesma e com o meu sagrado. Fiz banhos de ervas, acendi velas, fiz um lindo Chá de Bençãos e muita mentalização de como você viria ao mundo da forma mais linda, respeitosa e acolhedora possível.


Estava tranquila quanto à possibilidade da cesárea sabendo que havia feito a minha parte. Repetia com muita e genuína convicção que não temos tudo sob controle e que as tentativas para engravidar já haviam me ensinado isso! Ledo engano... ainda havia MUITO O QUE APRENDER!


Domingo, 31 de julho, um dia após meu Chá de Bençãos, tive que ser internada por um pico de pressão alta que culminou no diagnóstico de hipertensão específica da gravidez (DHEG) e descambou no final em pré-eclâmpsia. Eu já estava em um processo de inchaço absolutamente fora do comum, ganhando quilos e mais quilos toda semana, sem posição para nada e, principalmente, sentindo dores muito fortes nas costas e pernas.


Ao me liberar, o médico, além dos medicamentos para controlar a pressão, recomendou repouso, drenagem, dieta hipossódica e fazermos exames semanais para verificar até onde poderíamos ir já que a indicação já era de interrupção da gravidez tão logo eu entrasse nas 37 semanas.


O que eu mais queria era esperar o seu tempo, ter certeza de que você estava pronto para vir a este mundo na sua hora e não de acordo com a minha conveniência.


Fui extremamente caxias ao seguir as recomendações médicas. Tomei todos os cuidados possíveis e me conectei muito a você pedindo todos os dias que viesse quando estivesse pronto. Arrumamos o que ainda faltava, nos concentramos única e exclusivamente na sua chegada e esperamos!


Esperei com dores que nunca achei que sentiria. Não conseguia mais dormir em nenhuma posição por causa da barriga e do inchaço. Não conseguia andar poucos metros sem achar que teria um infarto ou sentir muita dor. Minha respiração em repouso parecia a de um porco esbaforido e a pressão estava cada vez mais difícil de controlar. Aumentamos a dose do remédio 3 vezes e continuamos observando. Os exames continuavam aceitáveis e eu seguia esperançosa que você viria logo. Seguia suportando a dor e desconforto que fosse para que você viesse como merecia.


Meu coração sentia que mais uma lição vinha por aí. Tentei ignorar o fato de você não encaixar, de ter subido quase na minha garganta no dia em que internei para induzir e todos os demais sinais que o Universo vinha me dando pois queria me manter positiva...


Os pródomos começaram com contrações leves e sem ritmo semanas antes e intensificaram bastante dias antes do seu nascimento. Por pelo menos duas vezes seu pai e eu achamos que ia engrenar e ficamos cronometrando contrações. Nada!


A cada consulta semanal eu voltava pra casa feliz por termos aguentado mais uma semana e exausta por ainda estar naquelas condições. Estava ganhando 3 quilos por semana, sem opção de roupa ou sapato, sem conseguir me mexer direito e muito muito cansada!


Dia 25/08, uma quinta-feira, foi minha última consulta pré-parto e não teve realmente como adiar mais. Às 40 semanas e 1 dia meu médico ficou bastante apreensivo ao observar meu estado e combinamos então que faríamos exames aquele dia mesmo e dependendo do resultado internaríamos naquela noite mesmo para começar a indução.

Foto: Amanda Nunes

Se estivesse tudo bem ainda nos exames de sangue e ecografia poderíamos segurar até domingo quando estaria com quase 41 semanas e, quem sabe, você viria naturalmente como pareciam anunciar os eternos pródomos...


Exames feitos às pressas, resultados não tão animadores (os de sangue... já os seus estavam sempre ótimos e lindos!), ao enviar mensagem para o médico com os exames, a bomba: ele estava indo às pressas para Campo Grande pois seu pai havia acabado de falecer!


Superado o choque e a tristeza por ele e sua família (sim! habemos empatia), bateu o desespero! Eu sabia que a equipe backup dele era composta também por médicos humanizados, mas não eram o nosso médico! Não sabiam do nosso desejo, da nossa luta e das nossas condições clínicas com a mesma profundidade.


Foi nessa hora que senti você subindo. Chegou quase na minha garganta... chorei um pouco, deitei (do jeito que dava) no peito do marido e sacudi a poeira... Vambora arrumar as últimas coisas, chamar minha mãe pra cuidar do Jerimum enquanto estamos na maternidade. Começo silenciosamente a me despedir da barriga, do estarmos ligados... Conectados...


Começamos a indução com um comprimido de misoprostol por volta de meia-noite. Dormi tranquila... Sonhei com você!


Pela manhã o médico verificou a dilatação e colocou o segundo comprimido... ainda 1 cm mas eu estava animada e esperançosa: você estava chegando! Por volta do meio-dia ele chegou com a ocitocina "para acelerar" as coisas... E acelerou mesmo!


Até mais ou menos 16 horas tudo fluía bem. Com muita dor durante as contrações que vinham de 1:30 em 1:30 e me levaram a 7 cm de dilatação, mas ainda com colo alto. Fomos então para a suíte de parto. Só o que eu queria era encontrar alguma posição na banheira que me dessem fôlego para ir até o final já que o inchaço fazia que literalmente não houvesse NENHUMA posição confortável.


Não conseguia ficar em pé pois doíam todas as minhas articulações, que aparentemente ainda existiam embora não estivessem mais visíveis a olho nu. Sentada também era impossível pela dor na lombar e inchaço na região da bunda. De quatro apoios, como sempre imaginei que fosse parir, se tornou uma tortura... Demorei ainda cerca duas semanas para conseguir me apoiar nos joelhos sem dor devido ao edema. A água quente parecia então meu único refúgio possível para aguentar mais um pouco a sua chegada.


Chegamos na suíte e o primeiro balde de água fria: a água da banheira não esquentava! Um entra e sai de pessoas tentando resolver começaram a me irritar e me distrair profundamente. Vamos pro chuveiro... elétrico daqueles que ou sai água ou esquenta... fiquei então me contorcendo embaixo de um fio de água pelando e preocupada em não escorregar já que não tinha chinelo (nenhum me servia! Nem o do seu pai!). Tenta a banqueta, o gás hélio, deitar, sentar, de quatro apoios de novo... Nenhuma posição durava mais de 1 minuto!


O médico veio me examinar de novo. Eu sentia uma dor e uma vontade de fazer força tão grande que tinha certeza que faltava pouco. E ai ele me informa que continuávamos após horas EXATAMENTE NO MESMO LUGAR: 7cm e colo alto. O desespero bateu forte pois senti com muita clareza no meu coração que aquele parto tão sonhado não ia rolar. Não era o que você queria? O que mais eu precisava aprender? Lembrei de uma sessão na terapia em que ela me contou do seu próprio parto e de como seu filho "simplesmente não quis descer". Era o que sentia... Você não iria descer...


Mais uma vez, apesar de toda a dor, tentei apagar esse sentimento quando me foi apresentado mais um recurso: estourar a bolsa mecanicamente para acelerar o processo. Não posso mentir que ele não tenha me avisado: vai acelerar, mas vai doer muito mais! E doeu!! A dor que eu nunca acreditaria ser possível aumentar mais aumentou e muito! Uma contração atrás da outra, lágrimas, urros, gemidos e um sofrimento que não era apenas da dor física, mas da consciência cada vez maior de que eu não iria aguentar... Que nada sairia como eu havia planejado... Que mais um aprendizado batia à porta e era você o mensageiro da lição mais uma vez!


Foto: Amanda Nunes

Pedi, implorei pela cesárea, não como sabemos que ocorre com a maioria das mulheres na chamada hora da covardia que normalmente ocorre quando o trabalho de parto está chegando ao fim. Pedi pela cesárea quando tomei consciência de que eu precisava passar por isso. Que essa dor precisava ser a minha e essa cicatriz que ainda me machuca viria me ensinar algo mais profundo.


Fomos pra cesárea após mais de 12 horas de indução e cerca de 8 horas de trabalho de parto ativo e muito intenso. Fui chorando, fui triste por não ter conseguido meu parto, mas imensamente feliz por mais esse aprendizado.


Quando te vi saindo e olhei pro seu rosto, fiquei sem palavras! Te achei lindo demais e foi, ainda é, difícil acreditar que fomos nós, seu pai e eu, dois jovens que se apaixonaram nas festas da faculdade há 13 anos a fazer uma pessoinha tão perfeita e maravilhosa! Uma pessoinha que já vem cheia de lições e ensinamentos...


Se me arrependi de ter tentado induzir? Não! Nem por um momento! O trabalho de parto foi essencial e importantíssimo para que você também se preparasse para nascer! Explorei meus limites, minha conexão com você e sei que jamais me perdoaria se não tentasse!


Se me arrependi de ter ido pra cesárea e arregado? Não! Se tem algo que aprendi nesse processo é que o parto não é só meu e que nesta equação toda de planejamento existe uma segunda pessoa com uma bagagem e uma missão, que vem pra ensinar e também pra aprender! Quem sabe o porquê de tudo? Quem sabe o aprendizado aqui era seu? Quem sabe...

Se eu faria cesárea de novo? Não se eu puder evitar! A recuperação é ruim, bem ruim e todo o pacote cirúrgico não me agradou nem um pouco! Se por acaso eu resolver te dar um irmão tentaremos mais uma vez um parto natural...


Se eu faria algo diferente? Sim, me torturaria menos com os "e se"...


A verdade é que sinto uma profunda gratidão pelo processo que vivi! Tive uma doula - e fotógrafa 😍 - maravilhosa que me apoiou e me acolheu. Tive e tenho um marido que segurou minha mão, que chorou comigo, me segurou, me amparou mesmo estando aos prantos ao ver a minha dor! Não canso de me encantar com o pai que ele se tornou e me apaixono mais e mais a cada dia!


Você veio para me ensinar a abrir mão do controle e exercitar e aproveitar o improviso! Você veio para que eu possa aprender a viver e aproveitar um dia de cada vez! Você veio para quebrar vários dogmas e paradigmas que eu tinha como certos... E eu só posso ser grata ao Universo por ter me dado e estar me dando essa oportunidade de transformação!


Mulheres sabem parir e bebês sabem nascer, mas mulheres e bebês por vezes também precisam aprender lições que vão além do fisiológico...


Foto: Amanda Nunes

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