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Por que é preciso falar sobre Empreendedorismo Feminino?




Empreender é iniciar algo novo, planejar e agir, seja na vida pessoal ou profissional de homens e mulheres, indistintamente. Porém, muito se tem discutido a respeito do papel da mulher empreendedora na sociedade atual. Já desde 2010, o Pacto Global das Nações Unidas e a ONU Mulheres encorajam instituições e corporações a fomentarem o protagonismo feminino profissional, por meio da adesão aos Princípios de Empoderamento das Mulheres (WEPs, na sigla em inglês). No entanto, é preciso entender o empreendedorismo feminino não só como o protagonismo profissional nos negócios, nas instituições e corporações, mas também na vida pessoal. Aí é o nosso maior desafio.

Dados trazidos pelo Relatório sobre Igualdade de Gênero e Desenvolvimento de 2012 do Banco Mundial nos mostraram que a igualdade política, social e econômica entre homens e mulheres é ferramenta não só de justiça social, mas também de desenvolvimento econômico.


O economista indiano Muhammad Yunus[1], fundador do Grameen Bank e do conceito de microcrédito, tem muito a nos inspirar sobre o tema cujos registros foram deixados no seu livro o “O Banqueiro dos Pobres” publicado no Brasil em 2000. Yunus demonstrou que ao emprestar dinheiro a mulheres que viviam em condição de pobreza, não só melhorou a condição social e financeira dessas mulheres, como também lhes despertou o espírito empreendedor, em uma cultura essencialmente patriarcal. Ao estabelecerem uma nova crença pessoal a respeito dos seus próprios direitos e deveres, essas mulheres montaram pequenos negócios, envolveram a família e impactaram essencialmente o ambiente em que viviam. O mais curioso é que parte do dinheiro era primordialmente destinado por elas a melhorar a condição dos seus filhos e da família, antes mesmo da sua própria, o que impactou fortemente no desenvolvimento da comunidade como um todo.


O que justificaria esse comportamento? Talvez por altruísmo, generosidade e empatia com o próximo, características atribuídas comumente ao estereótipo feminino, que em regra não são estruturalmente reconhecidas no sucesso do empreendedorismo contemporâneo. Não é à toa que quando pensamos em um empreendedor ou empreendedora de sucesso, instintivamente, remetemos à ousadia, ambição, objetividade e racionalidade, características socialmente não incentivadas no universo feminino.


Em que medida esses rótulos dificultam as mulheres a seguirem no empreendedorismo? O sentimento de não enquadramento nas características socialmente esperadas para este protagonismo profissional é um limitador até inconsciente para tomada de decisões na vida pessoal. Não há como construir a autoconfiança no desempenho de um papel social, se ao mesmo tempo ela está sendo constantemente desconstruída no desempenhar de outro.


Sheryl Sandberg, diretora de operações do Facebook e organizadora do projeto Lean in para empoderamento feminino, defende com dados estatísticos que, ao contrário do que parece, as mulheres não estão chegando à liderança em lugar algum do mundo justamente por não se verem como merecedoras. Até mesmo no empreendedorismo sem fins lucrativos, atividade normalmente impulsionada por competências relacionadas aos estereótipos femininos como generosidade e altruísmo, ainda ocupamos apenas 20% dos postos de direção. E isso é muito sintomático.


Ninguém será contratado se não se achar competente para a função, ninguém mudará de cidade se não se achar apto a enfrentar a adaptação, e ninguém será promovido se achar que não merece. É este modelo mental que precisamos desconstruir no universo feminino.


Concordo que nem todas as mulheres querem empreender profissionalmente, o que é extremamente legítimo. Mas a reflexão deve iniciar em uma etapa anterior. Qual o fundamento para a tomada da decisão entre seguir ou ficar? Talvez levem em consideração falsas crenças sobre si próprias que as impedem de exercer esse protagonismo em um processo de retroalimentação. Empreender na vida pessoal ou profissional, antes de tudo, é processo de tomada de decisão que exige autoconfiança e coragem.


A filosofa americana Ruth Chang em uma excelente palestra divulgada através da organização TED, nos explica que em certos momentos nos deparamos com decisões difíceis de serem tomadas na vida considerando as opções que nos apresentam. Algumas opções de escolha são impossíveis de serem comparadas racionalmente, como, por exemplo, iniciar um novo empreendimento, mudar de emprego, apostar em um relacionamento e etc. Todas as opções carregam em si vantagens e desvantagens, pois envolvem valores. Não é como decidir entre três malas qual é mais pesada. Isto é científico. Nas escolhas fáceis e óbvias, as razões de decidir são externas. Mas nas escolhas difíceis precisamos refletir sobre nossas razões interiores e é no processo de percepção dessas razões que enxergamos os nossos valores e buscamos base para nos tornarmos uma pessoa ao invés de outra. A filosofa alerta que pessoas que não exercitam seu poder normativo em escolhas difíceis permitem que o mundo escreva as histórias por elas e deixam o seu protagonismo a margem si próprias.


Então, não me parece possível falar de empreendedorismo feminino sem assumirmos primordialmente a importância da desconstrução de estereótipos e modelos sociais pré-concebidos como barreiras invisíveis que freiam o nosso protagonismo na vida pessoal e profissional. A quebra dessas barreiras é um dos passos importantes para o alcance do protagonismo feminino que tem como resultado uma maior igualdade entre os gêneros e, como já reconhecido pelo Banco Mundial, o necessário progresso econômico. Ora, se o argumento sob a perspectiva social acaba por parecer algo subjetivo aos olhos de alguns, o argumento econômico, por si só, já deveria ser suficiente para aquecer o tema. Não há dúvidas, é preciso sim falar sobre empreendedorismo feminino.



[1] Ganhador do Prêmio Nobel da Paz de 2006.


Maria Ticiana é advogada em Curitiba, foi membro da Comissão da Mulher Advogada, da Comissão de Direitos Humanos e de Estudos de Violência de Gênero da OAB/PR e membro consultor da Comissão de Relações Internacionais do Conselho Federal da OAB. É também mãe de dois lindos meninos, ativista de Direitos Humanos e uma ávida estudiosa do tema. Hoje, juntamente com Tayná Leite e Celia Martins fundou a Maria Muda o Mundo, uma associação sem fins lucrativos cujo propósito a motiva diariamente. Saiba mais aqui!

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